O ESPORTE TRANSFORMADOR
Jornal Tribuna de Minas
Por BRUNO KAEHLER
Foto Leonardo Costa
Jovens do Centro Socioeducativo têm, no futebol, oportunidade de ressocialização
Treinador Alex Nascif desenvolveu uma relação de confiança e respeito com os jovens
“Às vezes ficamos abatidos por certas coisas, e o futebol pode mudar nossas vidas, dar um futuro melhor para nossas famílias. Ficamos mais alegres, pensamos em representar nosso país algum dia e ser uma pessoa na vida, porque o que passei não indico para ninguém.” O relato de Paulo*, 17 anos, pouco depois de deixar o Centro Socioeducativo de Juiz de Fora, sintetiza a popular “segunda chance na vida”. A ferramenta para esta transição do jovem e de seus companheiros, Rodrigo* e José*, da mesma idade, é a modalidade esportiva mais praticada no planeta, com a alegria de possuir no controle da bola nos pés o sonho de um futuro digno.
Na equipe sub-17 do Uberabinha/UFJF, no projeto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) que ascendeu recentemente à elite do Campeonato Mineiro de base, os três garotos alimentam a esperança de suas famílias após serem acautelados na instituição que preza o processo de ressocialização do ser humano. O passado é página virada. “Esse tempo tem me ajudado. Fui sempre bem tratado na cidade e estou bem. Pensei bastante no que quero e que tinha que mudar o que errei. Visitei minha família nessa semana e vi ela toda, graças a Deus. O convívio sempre foi bom, mas as coisas só melhoraram nesse tempo”, conta Rodrigo, de Barroso (MG), fã de Iniesta, Messi e desde janeiro no Centro.
A certeza da reviravolta na vida por meio do esporte passa, prioritariamente, pela felicidade dos parentes, caso explicitado por José, natural de Três Corações (MG) e há dez meses no Socioeducativo. “Minha mãe está orgulhosa demais porque, quando fui acautelado, todos desacreditaram em mim. Ninguém pensava que eu iria chegar onde estou chegando hoje. Falaram que eu era bandido e só minha mãe confiou em mim, mas hoje estou conseguindo conquistar o que minha família sempre quis com o futebol, que na minha vida representa eu poder alcançar esse objetivo. É o sonho da minha família que desde que eu tinha 10 anos, sempre quis que eu jogasse futebol. Passei por várias equipes, mas não dei certo. Aí esqueci o futebol, fui acautelado, parei no Socioeducativo e cheguei na UFJF correndo atrás do meu sonho.”
Prova física maior da confiança depositada nos jovens está em Paulo, zagueiro e capitão da equipe, que passou a morar, inclusive, com um dos amigos de time. “Tenho o maior orgulho de liderar essa equipe maravilhosa. Somos uma família e não chego sozinho onde quero. São também minha base. Tenho que agradecer ao Alex (Nascif, técnico do sub-17) também. Desde que cheguei, me deu a braçadeira, uma confiança enorme. E não são muitos que têm essa segunda chance na vida. Cada dia que passa treino como se fosse o último. Estou podendo correr atrás dos meus sonhos e quando as pessoas confiam, acontece”, contou Paulo.
‘Eles têm objetivos de responsabilização’
A diretora geral do Centro Socioeducativo de Juiz de Fora, Eliana Silva Cunha, acompanhou – e segue monitorando – de perto a evolução de conduta de Paulo, Rodrigo e José. Ciente e gerenciando todo o delicado processo, a profissional resume as metas de cada jovem desde o momento de suas chegadas à instituição. “Inicialmente, a juíza da Vara da Infância e da Juventude normalmente determina uma medida inicial. Ela costuma variar de seis meses até um ano e a partir disso eles chegam. O processo de inicia e sua evolução depende de cada adolescente”.
Nos casos específicos dos talentosos e promissores esportistas, apenas o desfecho, como de costume, é diferente do rotineiro, apenas por aptidão. “Esses jovens vêm para cá cumprir uma medida socioeducativa. Quando chegam, precisam apresentar bom comportamento, ir à escola, possuem todas as atividades e obrigações. Eles têm objetivos de responsabilização e, na medida do tempo, identificamos habilidades. A deles é no futebol.”
O resultado de Paulo já está encaminhado para o sucesso. Os de Rodrigo e José, ainda no Centro, seguem direcionados para finais felizes graças ao acompanhamento, também, na UFJF. “Nosso trabalho é socioeducativo mesmo, de retornar para a comunidade em que vivem ou voltar melhor para a sociedade, conscientes das obrigações, dos direitos e deveres, graças também à parceria com a Vara da Infância”, finalizou Eliana, de nome citado pelos jovens ao agradecerem alguns dos responsáveis pelos novos caminhos.
‘É o que alimenta a alma’
Se as projeções do futuro do trio são animadoras, parte do crédito deve ser destinado aos profissionais da equipe sub-17 do Uberabinha/UFJF. O técnico Alex Nascif, por exemplo, obtém participação na transferência dos meninos para seu grupo. “O José foi o primeiro a vir para a UFJF, após um amistoso que fizemos com o Tupynambás em que ele se destacou. Um dos agentes do Socioeducativo, o Janderson, parceiro nosso e a quem temos que agradecer, trouxe o José para cá. A partir disso, o Janderson também trouxe o Paulo e o Rodrigo, sempre baseado no comportamento deles. É uma parceria que firmou e esperamos que continue para o futuro, sempre com esse tipo de tratamento”, destacou o treinador, que admitiu um pé atrás nos primeiros contatos, logo deixado em segundo plano, quando, exemplificando, impôs a função de capitão, oficialmente, a Paulo.
“Desde quando os meninos chegaram aqui, tive receio, porque nunca convivi com eles. Então vem sendo uma experiência muito positiva. E não fui eu quem escolheu, mas o Paulo que se mostrou um líder. É proativo, suas atitudes mostraram que ele seria um líder do time e fico muito satisfeito em poder ajudar.”
Coordenador do projeto de extensão de futebol e professor da UFJF, Marcelo Matta, estendeu a importância da ressocialização também à instituição de ensino. “O esporte é uma ferramenta. Não é a mais, nem a menos importante. Integra um rol de procedimentos utilizados na transformação dos meninos. Por ser professor, acredito na formação e transformação do homem. Por trabalhar em uma universidade, oportunizar isso aos acadêmicos e demais professores que essa mudança é possível na prática, capacita ainda mais a formação desses acadêmicos envolvidos no projeto. É o que alimenta a alma. Mas a maioria não vira jogador, então não sei se eles serão atletas, mas vão levar um pedacinho daquilo que foi plantado aqui e espero que utilizem da melhor maneira na vida deles.”
O final já é feliz. Um novo capítulo, contudo, pode mudar ainda mais a vida dos meninos, com a possibilidade de deixarem, de vez, o Centro Socioeducativo. “Hoje há uma possibilidade de eles realizarem um teste em um clube de Belo Horizonte assim que acabar o Campeonato Mineiro. Apenas intermediei isso, mas, se não conseguirem, tem outros clubes que querem eles. Principalmente o Paulo, que também com a ajuda do Kim, pode ter outros caminhos”, contou Nascif.
* Nomes fictícios para preservar a identidade dos jovens